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O Plano da Comissão de Melhoramentos (1874-75)

Por aviso do Ministério do Império de 17 de maio de 1874, foi nomeada uma equipe de engenheiros, formada por conceituado s e experientes profissionais, como Francisco Pereira Passos (que depois chegou a prefeito da cidade do Rio de Janeiro), Jerônimo Rodrigues de Moraes Jardim e Marcelino Ramos da Silva, com a finalidade de conceberem um plano de reurbanização e de infraestrutura para a cidade do Rio de Janeiro.

mapa arquitetural - 1874Mapa arquitetural - 1874A equipe propôs, além do alargamento de antigos logradouros, rasgar avenidas, cruzando a antiga área Central da cidade e outras de contorno, para facilitar o trânsito de veículos e ligação desse núcleo com seus bairros periféricos. Para a região dos atuais bairros de Vila Isabel, Andaraí e Tijuca, foi proposta radical urbanização que favorecesse a expansão da cidade no sentido da Zona Norte e, para a Zona Sul, obras nos bairros do Catete, Flamengo, Laranjeiras, Botafogo e na orla de Copacabana, até o atual Leblon.

As principais avenidas a serem abertas deveriam ter 40m de largura, destinando 18m para a caixa de rolamento e passeios laterais de 11m. As demais avenidas teriam sua largura variada entre 15m e 25m.
Projetaram esses engenheiros um novo porto sobre aterro da Baía da Guanabara e uma estação marítima, conectando-o à estrada de ferro D. Pedro II.

Com relação às normas para as novas edificações prediais, a Comissão limitou-se aos conceitos de "salubridade das habitações e a designar os limites de altura que convém dar aos pés direitos dos prédios". Quanto à estética e estilo dos prédios a serem adotados deixou-os a cada particular "a liberdade de construir segundo seus gostos, seus hábitos e suas conveniências pessoais", pois entendia a equipe que "o aspecto exterior de cada casa deve denunciar o fim a que é destinada ou a posição social dos que a habitam". Consideravam que a "uniformidade na aparência seria prejudicial à beleza das construções e daria uma ideia falsa do seu interior. É conveniente a variedade, não somente no caráter e ornamentação dos prédios, mas ainda na sua largura e na altura dos andares, contanto que esta não se afaste dos limites prescritos a bem da solidez da edificação e da salubridade dos aposentos".

A Comissão reconhece que usou os conceitos arquitetônicos e urbanísticos propostos por Léonce Reynaud, principalmente na sua obra Traité d'Architecture, autor usado na bibliografia do curso de engenharia na Escola Central e, depois, na Politécnica do Rio de Janeiro, onde os três estudaram.

Este Plano de Melhoramentos começou a ser implantado mas sofreu interrupção em função das sérias e importantes ocorrências políticas e sociais ocorridas com a doença do imperador D. Pedro II, que passou o governo a sua filha Isabel, gerando constrangimento em parcelas das forças políticas e econômicas pelo fato de ela ser casada com o francês Conde d'Eu, o qual passaria, na prática, a governar o Império. No período transitório de seu governo, a princesa Isabel decretou o fim da escravidão no Brasil, provocando descontentamentos entre os senhores rurais que dependiam do trabalho escravo, e mesmo entre aqueles senhores que nas cidades exploravam-nos alugando-os como trabalhadores.

A forma como se deu o fim da escravidão teve consequências na organização da sociedade e da urbanização brasileira. Essa questão vinha se arrastando há anos, tendo o governo português, em 1815, se comprometido com a Inglaterra a abolir o tráfico negreiro para o Brasil, promessa que não cumpriu. Pressionado pelo governo inglês, assinou, em 1831, a lei abolindo o comércio negreiro que, ao contrário do que se esperava, aumentou mais ainda o tráfico de escravos, que só veio a parar com a Lei de 1850.
Concomitantemente a essas manobras diplomáticas de fingir que se estava abolindo o comércio negreiro, os governantes brasileiros realizaram vários projetos de assentamento de imigrantes europeus, nas chamadas Colônias, visando ao "embranquecimento" da população brasileira e a geração de mão de obra assalariada, no campo e nas cidades.

No ano de 1871, ocorreram três ações positivas para o fim da escravidão no Brasil: em 28 de novembro foi aprovada a Lei Rio Branco, libertando os escravos que tivessem mais de 60 anos de idade e, no dia seguinte, a chamada Lei do Ventre Livre, declarando livres os filhos de mulher escrava que nascessem a partir daquela data. Também nessa data foram declarados libertos os chamados escravos da Nação, isto é, escravos dos diversos governos públicos, municipal, provincial e federal.

O problema do fim da escravidão brasileira decorria da falta de ações públicas no sentido de distribuição de terras para os escravos libertos que trabalhavam no campo e geração de trabalho para os trabalhadores urbanos. Ao contrário, foram simplesmente libertos e jogados à concorrência do mercado de trabalho, da moradia, educação e proteção social, com a sociedade livre. Concorrência também com os imigrantes já inseridos no mercado de trabalho, que ofereciam mão de obra mais barata sem nenhum ônus de leis trabalhistas para seus patrões, pois só foram instituídas no século XX. Para se ter uma idéia do montante dessa grave questão, foram libertos cerca de 730 mil escravos correspondendo a 5% da população que vivia no Brasil. Muitos desses libertos foram ocupar cortiços e iniciaram o processo de favelização das cidades brasileiras.

Em 15 de novembro de 1889, foi Proclamada a República e o fim do regime imperial no Brasil. Os primeiros anos dos governos republicanos foram tumultuados e, suspensas todas as obras urbanas na cidade do Rio de Janeiro, inclusive o Plano de Melhoramentos.


Prefeito Pereira Passos, o demolidor implacável

O presidente Rodrigues Alves estabeleceu como compromisso de campanha a reforma radical da cidade do Rio de Janeiro para torná-la higiênica e saudável e adequá-la ao mundo moderno. Para realização desse compromisso nomeou o engenheiro Lauro Muller como ministro de Viação e Obras Públicas e o engenheiro Francisco Pereira Passos como prefeito do Rio de Janeiro. Por sua vez, o ministro Lauro Muller nomeou duas equipes formadas pelos engenheiros mais experientes em obras portuárias e urbanas para projetarem e construírem o novo porto e as vias de sua ligação à cidade, entre as quais a famosa Avenida Central, hoje denominada Rio Branco.

Pereira Passos, na função de prefeito pôde, então, aplicar o seu projeto de Melhoramentos, feito em 1875.

A cidade do Rio de Janeiro no período 1902 a 1906 transformou-se num gigantesco canteiro de obras e, no final do governo Rodrigues Alves e de sua equipe, tinha se transformado completamente, sendo comparada a uma nova Paris.

Com essas obras ficou consagrada a permanência do Rio como capital do Brasil e passou a influenciar as demais administrações públicas – todas queriam reformar suas cidades para ficarem tão ou mais bonitas do que ela.

Por outro lado, essas cirurgias praticadas sobre o tecido urbano da velha urbe carioca, demolindo prédios de valores históricos e arquitetônicos e ambiências construídas ao longo da formação da cidade, legitimaram ações semelhantes nas demais cidades brasileiras. A primeira metade do século XX pode ser caracterizada como o da demolição de grande parte do patrimônio arquitetônico, urbanístico, histórico e cultural oriundos do período colonial e do século XIX. Essa onda de modernização varreu cidades como São Paulo, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Maceió etc.

O ápice desse urbanismo avassalador do patrimônio da cidade do Rio de Janeiro deu-se quando dos preparativos do Centenário da Independência brasileira que, contraditoriamente, para abrir terreno destinado à montagem da Exposição Internacional de 1922, destruiu o Morro do Castelo com suas edificações históricas, berço da criação da urbe carioca.

Também nesse ano foi resgatado o projeto dos militares republicanos de transferência da capital brasileira, sendo enviada comissão técnica para demarcar o terreno previsto na Constituição de 1891. A partir de então o fantasma da transferência instalou-se no Rio de Janeiro.

As cidades brasileiras agigantaram-se e aumentou, substancialmente, a população urbana composta, em grande parte, de pobres, vítimas da péssima distribuição de renda vigente e da falta de emprego para eles. A esse contingente de pobres urbanos acresceu outro de miseráveis oriundos da migração interna, expulsos pelas falta de condições de permanecerem na área rural, tornando ainda maiores e mais problemáticas as cidades brasileiras.

Os planos urbanísticos realizados nas cidades voltaram-se, em sua grande maioria, para o embelezamento e a geração de novas áreas de moradia para a classe média e rica, para as indústrias e o comércio. Pouco se fez para beneficiar as populações pobres que viviam nos núcleos favelados, em habitações precárias, em áreas de risco e em loteamentos clandestinos.

As cidades brasileiras aprofundaram a imagem das injustiças construídas, historicamente, pelo descaso dos sucessivos governos e de suas discriminatórias políticas social, econômica e cultural, postas a serviço da parcela formada pelos mais aquinhoados.


O Plano Agache

Os ideários das artes e do urbanismo moderno começavam a chegar ao Brasil, após o grande evento contestatório ao statu quo, de 1922, bem conhecido como Semana de Arte Moderna. Tendo sido nomeado prefeito da cidade do Rio de Janeiro o fazendeiro paulista Antonio da Silva Prado Junior (1926-30), imbuído de novos conceitos, convidou, em julho de 1927, o arquiteto francês, Alfred Agache, secretário geral da Société Française des Urbanistes, para formular um plano de remodelação e embelezamento da cidade.

Agache, porém, não era o modernista revolucionário sonhado pelos organizadores da Semana de 1922; ao contrário, era um adepto dos critérios acadêmicos propugnados pela École de Beaux-Arts de Paris. Entendia o urbanismo como o "conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas". Esteticamente, ele defendia a monumentalidade e a suntuosidade dos prédios destinados às funções públicas. Mas, segundo a arquiteta Vera Rezende, autora do livro Planejamento urbano e ideologia: quatro planos para a cidade do Rio de Janeiro (1982), Agache incorporava o ideário da oligarquia rural brasileira, já em declínio, representada por Prado Junior.

Transformações urbanas início do século XX

Espaços livres e reservas arborizadas
Perspectiva aérea do Centro monumental e dos bairros de intercâmbio e dos negócios idealizada pelo Professor D. Alfredo Agache
Esplanada do Castelo e Ponta do Calabouço projeto organizado pelo Arquiteto Urbanista pelo Professor Dalf. Agache

Fazia concessões "à parte da burguesia que já se aproxima do poder e que habita a cidade, empreendendo as mudanças necessárias ao desenvolvimento urbano e sua adequação ao sistema capitalista". A contratação de um arquiteto de prestígio na França vinha ao encontro das "aspirações da burguesia e a inspiração em um modelo europeu de cidade desenvolvida".

Para auxiliá-lo, Agache trouxe os arquitetos E. de Gröer e W. Palachon e o engenheiro sanitarista A. Duffieux. O trabalho dessa equipe é considerado pelos estudiosos como o primeiro Plano Diretor completo e dentro dos parâmetros do moderno urbanismo internacional.

O plano foi pouco aplicado em decorrência da prática política marcada pela descontinuidade, segundo a qual o novo prefeito não devia dar sequência às obras e aos projetos de seu antecessor.

Nireu Cavalcanti
Arquiteto e historiador
Professor na Pós-Graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo/UFF
Autor de O Rio de Janeiro setecentista (Jorge Zahar Ed.)

* Excerto do artigo O problema da urbanização e o papel da política do Brasil, apresentado na Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto – Japão, jan. 2006.


Esta apresentação super interessante criada por Ney de Luiz dialoga apresenta fotos antigas que ressaltam a aproximação arquitetônica entre Rio de Janeiro e Paris. A deliciosa trilha sonora é "Odeon" (Ernesto Nazareth, 1910), com letra de Vinícius de Moraes cantada na voz de Nara Leão.

O Rio que queria ser Paris - 3.69 MB

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